John Deere

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A força do campo

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Novas racas no Campo

Ovinocultores do Sul e Sudeste do país melhoram a renda produzindo leite para fabricação de queijos finos


Ernesto de Souza
OVELHAS lacune, east-friesian e mestiças formam o rebanho do criador Érico Tormen em Chapecó, SC
A criação de ovelhas no Brasil sempre teve duas finalidades básicas, a produção de carne e de lã. Nos últimos quatro anos, no entanto, a exploração de leite para fabricação de queijos finos e iogurtes virou negócio promissor, principalmente em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, onde grandes criadores chegam a tirar 400 litros de leite por dia em escala industrial e famílias envolvidas na atividade conseguem litragens médias de 20 a 100 litros. Foram os gaúchos os introdutores de ovinos com aptidão leiteira no Brasil, em 1992, quando a Cabanha Dedo Verde, hoje referência na difusão de qualidade e cuja sede fica no município de Viamão, trouxe da França a raça lacaune. Apesar do pioneirismo do Rio Grande do Sul, Santa Catarina vem se destacando no setor, ao implementar um amplo programa de organização da cadeia produtiva e de incentivo à criação, com assistência da Empresa de Pesquisa e Extensão Rural (Epagri), orientação do Sebrae, verba do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) e apoio do estado e municípios.

A ovinocultura brasileira ganhou impulso nos últimos 12 meses com a fundação da Associação Brasileira dos Criadores de Ovinos Leiteiros, sediada em Chapecó, SC, e com a introdução no país de animais da raça east-friesian, de tripla aptidão e grande produção leiteira – originária da Alemanha, é considerada por especialistas uma das que apresentam maiores produções no mundo, podendo alcançar até quatro litros por dia. Em 2005, nenhuma fazenda do oeste catarinense tirava leite de ovelhas. Hoje, pelo menos 40 propriedades da região aderiram à produção, consorciando-a com atividades tradicionais como a pecuária bovina. Presidida por Érico Tormen, um dos primeiros a acreditar no potencial da ovinocultura de leite no estado, a associação já registra 20 sócios. A fazenda de Érico produz 180 litros por dia.
Segundo ele, a proposta da entidade é organizar os pecuaristas para o cenário de mudanças. “A produção de leite de ovelha tornou-se uma atividade significativa, e a associação permitirá a união e o fortalecimento do ovinocultor. Eu lembro que somente em Santa Catarina existem mais de 3 mil ovelhas leiteiras. Além disso, o consumo vai subir movido pela melhoria de renda no país.” Érico acredita na disseminação da ovinocultura leiteira, especialmente em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro, estados com grande potencial de consumo de queijos finos, iogurtes e derivados. No total, segundo Érico, o Brasil produz hoje perto de 800 mil litros de leite por ano. “É pouco”, ele reconhece. Países europeus, como a Itália e a França, asiáticos, caso da China, e do Oriente Médio, como a Síria, nos quais a ordenha é praticada há pelo menos 2 mil anos, deixam no balde centenas de milhões de litros. A produção mundial de leite de ovelhas está próxima dos 8 milhões de litros ao ano. Para comparação, apenas no Brasil se produzem 26 bilhões de litros de leite de vaca anualmente.
Ernesto de Souza
QUEIJO PECORINO Grand Paladare
Paulo Gregianin, ovinocultor de 39 anos em Guatambu, cidade próxima a Chapecó, é um dos beneficiados pelo Pronaf. Ele era funcionário de outra fazenda e arrendou terra para montar o próprio negócio em 2007. “Foi necessário muito esforço. Não tinha oferta de animais de leite, e recursos para a atividade praticamente não existiam.” Paulo lembra que o Banco do Brasil à época não considerava a ovinocultura de leite uma exploração comercial. Duraram nove meses as tratativas até o dinheiro chegar. A Cabanha Aliança, de Paulo, é gerida 100% pela família, a esposa, Vera, e duas filhas, Karine e Maiquele. A produção é de 120 litros de leite por dia e se trabalha com as raças lacaune e east-friesian.
Em 2009, Paulo começou a entregar 20 litros por dia ao laticínio. Agora, espera chegar a 150 litros em 2011, com 100 fêmeas em lactação, tornando o leite autossuficiente e complementando o caixa com a venda de cordeiros. A Aliança possui dez hectares de área e lotação de 25 matrizes por hectare – a média brasileira é de dez matrizes por hectare.

A batalha diária na fazenda é árdua. Karine tem 15 anos de idade e acorda diariamente às 5h, junto com a mãe. Até as 9h30 está no curral ordenhando as ovelhas. “Depois vou cuidar do meu irmãozinho e da casa”, diz. Ela estuda na parte da tarde. Nesse período, a mana Maiquele, que vai à escola pela manhã, assume a ordenha das 14h com Vera. Paulo paga salário às meninas como forma de reconhecer o esforço. “É muito legal ajudar meus pais a construir o futuro de todos nós. Dá mais ânimo acreditarmos no desenvolvimento da ovinocultura de leite”, afirma Karine, que pretende estudar gastronomia. Aparelho nos dentes, jeans de grife, camiseta e tênis coloridos, a adolescente gosta de passear no shopping center, onde gasta “uma parte” de seu dinheiro. A cabanha recebe 1,85 real pelo litro de leite entregue aos Laticínios Bom Gosto, quase o triplo do que é pago ao leite de vaca. Paulo revela que o custo para produzir um litro é de mais de 1 real. “O importante é manter a uniformidade, e para a atividade ser viável é preciso tirar leite durante os 12 meses do ano.”

Próxima da Aliança, porém em outro município – Planalto Alegre –, fica a cabanha de Valdair Antonio Ecco, que tem 52 anos de idade e é um dos maiores produtores de leite de ovinos do país, com 400 litros por dia e 220 fêmeas em lactação, o que dá a média de 1,8 litro por animal por dia. A propriedade usa alta tecnologia, com destaque para uma máquina trazida há 30 dias da Alemanha que permanece ligada ininterruptas 24 horas amamentando os atuais 160 cordeiros. “É um leite em pó sucedâneo especial. O cordeiro mama à vontade no horário que quiser”, afirma Ecco. O ganho é certo, pois o filhote permanece 30 dias sendo amamentado pela mãe e outros 30 dias pela “mãe mecânica”. Assim, um mês após o parto, a fêmea vai para a ordenha produzir leite durante cinco meses e o cordeiro não tem mais contato. Ecco recebe 1,85 real pelo litro de leite entregue à indústria. Mais da metade é custo, e o que sobra é reinvestido na atividade. Ele agrega vendendo genética e cordeiros de 15 quilos a 150 reais a cabeça. Nos últimos tempos, não há oferta que resista à demanda, diz o pecuarista, que usa as raças lacaune e friesian e faz cruzamento com a texel.
Ernesto de Souza
Paulo Gregianin, que toca a criação juntamente com sua família
E a cruza industrial é aconselhada pelos técnicos do Sebrae para os pequenos produtores. Pode ser feita acasalando fêmeas texel e ille-de-france, raças de aptidão para carne, com o macho leiteiro. O produto meio-sangue gerado nasce mais resistente que os puros, explica Paulo Gregianin, o qual, devido ao conhecimento e gosto pela ovinocultura, dá assessoria ao Sebrae percorrendo 124 fazendas de corte e de leite. O cruzamento permite ainda a produção de cordeiros precoces, devido ao incremento na produção leiteira de matrizes. Eles são abatidos com menos de 120 dias de idade. “As F1 resultantes da mistura de sangue levam 30% de vantagem em relação às puras”, diz Paulo. Estão aptas, portanto, para a sobrevivência nas montanhas altas do oeste catarinense, onde a mecanização é quase impossível, caso da cabanha de Valdair Ecco. Em compensação, o solo é propício para aveia e azevém, por exemplo, boas opções para alimentar os animais no inverno. Há ainda a grama-missioneira, que é perene e adaptada ao frio do oeste de Santa Catarina, e a tifton 85, cultivada mais recentemente e de grande potencial, em função de sua qualidade. Afora o manejo nas pastagens, os ovinos recebem suplementos no cocho, como silagem de milho, ração à base de soja e milho, etc. “Não há como iniciar a criação sem antes preparar comida rica e farta, genética de padrão – um bom reprodutor é fundamental – e infraestrutura. É imperioso ter paciência, pois o aprimoramento dos ovinos é feito com o tempo”, ensina o fazendeiro Ecco.

Segundo Érico Tormen, a ovinocultura de leite permite agregar valor, e essa é uma das questões mais debatidas do agronegócio brasileiro. A agregação gera renda e cria emprego. Para fabricar um quilo de queijo, são gastos cinco litros de leite de ovelha, enquanto de dez a 12 litros são necessários se for usado o leite de vaca. “O leite de ovelhas tem 80% a mais de cálcio que o da vaca e o dobro de gordura e de proteínas. Resultado: os melhores queijos da alta gastronomia mundial, como roqueford e pecorino, são fabricados exclusivamente com leite de ovelhas.” Segundo Érico, o queijo é comercializado para o consumidor de maior poder aquisitivo, visto que é caro, mas ele entende que a demanda vai se alargar devido à mobilidade de classes no Brasil, com muita gente tendo acesso à chamada classe média alta. O presidente da associação informa que o consumo de leite de ovinos in natura no Brasil praticamente não existe, mas a fabricação de iogurtes em breve vai tornar-se realidade. Ele mesmo produz um tipo ainda na etapa de experimentação e recheado de frutas como abacaxi e morango.


Ernesto de Souza
VALDAIR ECCO, produtor de 400 litros de leite por dia, litragem recorde em SC
À medida que a produção e o consumo crescem, surgem laticínios para o beneficiamento do leite e fabricação de queijos. Em Chapecó, foi fundado há um ano e meio o Gran Paladare, cuja produção de pecorino, um secular tipo italiano, é distribuída em pontos selecionados e está chegando agora às gôndolas do supermercado Walmart, segundo informa seu proprietário, Jorge Zanotto. São deliciosos queijos finos e de preços salgados, entre R$ 48 e R$ 60 o quilo. A Gran Paladare, que tem matéria-prima própria e de outros criadores, fabrica 1.500 quilos ao mês e está pronta para crescer, pois Zanotto acredita que é possível alargar o mercado se houver baixa nos custos. “Fabricar o pecorino é igual a cuidar de uma criança. Além de controle absoluto do processo, é necessário carinho e paciência. Somente a cura do produto leva mais de seis meses”, explica Zanotto.
Feito com leite integral, o queijo não leva qualquer produto químico e a lactose é zero, garante o empresário. Ele põe muita fé no futuro do segmento no país e está pensando em fabricar em Chapecó um dos mais famosos tipos de queijo, o português Serra da Estrela, “que chega a custar de 300 a 400 reais o quilo”. Zanotto faz uma observação importante: “Os queijos nobres se diferenciam uns dos outros devido às regiões nas quais são produzidos. Cada tipo incorpora clima, água, constituição do leite, essências, cores, num amálgama que compõe personalidades peculiares”.

Artista plástica, Ruth Villela Andrade concorda. No município paulista de Campos do Jordão, a 185 quilômetros da capital e a 1.600 metros acima do nível do mar, ela e o marido, Carlos Schmidt, selecionam ovinos leiteiros com a finalidade exclusiva de produzir um tipo de queijo nobre e com a personalidade da Serra da Mantiqueira, repleta de portentosas araucárias. “O Queijo Pastor é fabricado artesanalmente com leite de ovelhas east-friezian. De massa tenra, pode ter aroma de frutas silvestres, como o morango, ou das folhas da castanheira. É maturado em madeira de araucárias e absorve o gosto delas sutilmente”, explica Ruth. Ela não admite fazer o roqueford ou outra marca conhecida. “O Pastor é um queijo camponês, típico das montanhas, e poderá ser apreciado nos restaurantes e hotéis mais sofisticados de Campos do Jordão.”
Ernesto de Souza
ORDENHA em fazenda de Chapecó cuja média é de 1,8 litro por animal
Seu marido, Carlos, de 59 anos, é um dos pioneiros a trazer para o Brasil a ovelha east-friezian. Importou do Uruguai 14 fêmeas e três reprodutores há um ano para fabricar o queijo. O plantel já cresceu bastante, e a meta é atingir 50 animais para a produção se tornar rentável. Um bom reprodutor serve todo o rebanho, afirma Carlos, que recentemente fundou a Associação Brasileira dos Criadores de east-friesian. Ruth adianta que a propriedade, emblematicamente chamada Valle das Fadas, com suas 20 nascentes de água límpida, irá produzir ainda lã para artesanato. “A lã terá também o charme camponês da Serra da Mantiqueira.”

Do alto de décadas assistindo às transições da ovinocultura brasileira, o superintendente do registro genealógico da Associação Brasileira dos Criadores de Ovinos (Arco), com sede na gaúcha Bagé, Francisco José Perelló Medeiros, diz que a ovinocultura leiteira vai deslanchar no país. “Criadores estão atrás de material genético da raça lacaune no Uruguai para fazendas no Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais. Querem produzir mestiças.” Segundo ele, plantas para industrialização começam a ser montadas. O ritmo é compassado, mas o mercado é promissor e a concorrência será com os queijos franceses. O superintendente concorda que a ovinocultura de leite pode firmar-se como uma rentável receita complementar nas propriedades, agregando renda em consórcio com outras atividades. Pereló aconselha aos pequenos criadores, principalmente, a aglutinação em cooperativas para defender seus interesses em conjunto. E, no caso do estado de São Paulo, já funciona uma unidade de leite de ovelhas na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp de Botucatu. Foi fundada devido ao potencial do mercado de queijos finos. “Temos no Brasil nichos de mercado para esse tipo de produto, principalmente nos grandes centros urbanos, haja vista que importamos queijo de ovelhas da Europa, particularmente da França, Espanha, Portugal, Grécia e Itália”, afirma o professor Edson Ramos de Siqueira, responsável pela unidade.
A produção de leite é de ovinos da raça bergamácia, originária do norte da Itália, e é toda destinada à fabricação de queijos como o roquefort. A área de produção inclui baias, sala de ordenha mecanizada, tanque de resfriamento, centro de manejo e oito hectares de pastos com o capim-tanzânia.


Ernesto de Souza
CARLOS SCHMIDT trouxe friesian para sua fazenda em Campos do Jordão
Se Carlos e Ruth, de Campos do Jordão, estão confiantes diante da expectativa de fabricarem eles próprios o queijo e dobrarem a renda da fazenda agregando valor, Cleber Evandro Cavasini, de Anchieta, no oeste de Santa Catarina, é só alegria por já receber 3 reais pelo litro de leite. O motivo é que ele paga para uma agroindústria da cidade fazer o queijo que leva seu nome, Cavasini, e depois o negocia no comércio da região a 32 reais o quilo. Cleber, 39 anos, deu início à atividade com financiamento do Pronaf. Emprestou R$ 18 mil e falta uma parcela para quitar a dívida. Ele lembra ter faturado R$ 22 mil de uma só penada no início de 2009 com a comercialização de fêmeas. Atualmente o rebanho é de 160 cabeças lacaune, das quais 26 estão em lactação, produzindo quase 30 litros de leite por dia. Chegou-se a tirar 100 litros, mas, estressado, o macho reprodutor apresentou problema de fertilidade, não emprenhou as borregas, e o processo de cobertura natural sofreu refluxo.

A propriedade tem cinco hectares. Os animais ficam dia e noite nos 25 piquetes de 2.000 metros quadrados cada um, e as fêmeas, que permanecem em lactação por seis meses – período superior à média –, recebem 400 gramas de ração, mais sal mineral. Em 2009, o faturamento mensal por hectare foi de 997 reais, “tirando os custos”, diz Cleber, que engorda o caixa com a venda de reprodutores e carneiros para abate. Ele toca o serviço sozinho, recebendo auxílio da esposa, Eloísa, 39 anos, contadora e funcionária da prefeitura da cidade em tempo integral. As construções na Fazenda Cavasini são simples, práticas e bonitas. Cleber recebeu a reportagem em seu escritório, que fica suspenso a poucos metros da margem de um lago cheio de peixes. À pergunta se o lucro da ovinocultura leiteira o deixava satisfeito, ele não respondeu. Deu um sorriso, olhou para Eloísa e convidou a comer mais um naco do queijo Cavasini.

No dia 19 do mês passado, a diretoria da Associação Brasileira dos Criadores de Ovinos Leiteiros se reuniu em Chapecó. Anunciou uma série de parcerias, inclusive com a Nova Zelândia, e no dia 5 deste mês enviou dois de seus diretores para lá com a incumbência de pesquisar as formas de produção, as raças mais utilizadas e a genética disponível de ovinos leiteiros num país cuja exploração é antiga. Érico Tormen disse que a associação vai reivindicar ao governo que assuma em janeiro próximo a isenção do PIS e Cofins, na esfera federal, e do ICMS, nos estados, “até que o setor se organize melhor”. É urgente também, segundo ele, efetuar um levantamento periódico dos rebanhos brasileiros para orientação de todo o mercado. Na reunião, ficou decidido que os produtores de ovinos de leite vão dar início à participação em exposições de animais, como a Mercoláctea, marcada para maio de 2011, em Chapecó.


RECÉM-CHEGADA
Ernesto de Souza
RAÇA: east-friesian
ORIGEM: Alemanha, região da Frísia. Sua seleção remonta a 600 anos. Há registro da raça desde 1530
APTIDÕES:leite, lã e carne. No Brasil, é usada para leite
TEOR DE GORDURA DO LEITE: 6% a 7%, bem superior ao da vaca
TEOR DE PROTEÍNA: 4,5%, o que torna o leite ideal para a fabricação de queijos finos

> Os animais são considerados grandes e pesados (machos entre 90 e 120 quilos e fêmeas entre 75 e 80 quilos). Têm muita massa muscular e pouca gordura
De 4 a 5 litros de leite podem produzir 1 quilo de queijo. No caso da vaca, são necessários dez litros de leite

> No Brasil, está sendo estudado o cruzamento do east-friesian com raças nativas mais rústicas, o que deve gerar um meio-sangue melhor adaptado ao clima tropical

> A east-friesian tem rabo pelado, boa aptidão materna, facilidade de parto e engorda rápido seus cordeiros

Fonte: Associação Brasileira de Criadores de East-Friesian

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