Comida de tropeiro
Paçoca com carne-seca, frango de romaria, mocotó cozido, arroz com pato, içá frita - tem de tudo no restaurante do Ocílio, em Silveiras, SP

Jorge Totó, 51 anos, filho e neto de tropeiros, confere se o frango e a carne para a paçoca não foram esquecidos
E há ainda os romeiros a carregar sua fé pelas estradas na veneração a Nossa Senhora, em Aparecida do Norte, e que vão orar também a Nossa Senhora da Santa Cabeça, em Cachoeira Paulista. Todos eles admiravam a paçoca de carne-seca salgadinha ou o franguinho caipira fácil de preparar, de carregar pelo caminho e muito saboroso, o “frango de romaria e dos tropeiros”. Para os tropeiros, a comida tinha de ser seca e durável, já que as viagens eram longas.

O franguinho colocado pelos nômades nos alforjes antes de pegar a Trilha do Ouro, entre Ouro Preto, MG, e Paraty, RJ
“As comitivas passavam por aquela trilha ali”, aponta Ocílio para um caminho de roça e terra batida, quase à porta do restaurante Fazenda do Tropeiro, de comidas regionais, que ele mantém em Silveiras, um centenário e mítico ponto de passagem das tropas. “Silveiras de rancho virou um vilarejo e depois cidade. Isso ocorreu com diversas outras localidades do Vale do Paraíba. Eu costumo dizer que todo vale-paraibano tem ramificações nessas comitivas de gente audaciosa.” Um dos antepassados de Ocílio, por sinal, Anacleto Ferreira Pinto, era comprador de burros em Sorocaba, SP. “Ele trazia centenas - uma vez vieram 400 animais - e esperava as tropas aqui em Silveiras para fazer negócio. Isso faz do tropeirismo minha essência.” Em Silveiras, formou-se então um centro de serviços (havia 16 ranchos) com celeiros, ferreiros, cesteiros, cangalheiros, trançadores de couro, domadores, catadores de ferraduras. Era uma efervescência só.
Quem registrou a vida errante e sofrida do tropeiro em suas obras foram o escritor Monteiro Lobato, nascido em Taubaté, e o grande Mazzaropi, que adotou como sua a mesma cidade. Taubaté é considerada por Ocílio a fonte irradiadora da cultura e dos hábitos seculares dos habitantes do Vale do Paraíba.

A carne é cozida na panela (de preferência, em fogão a lenha) e depois desfiada ainda quente para compor a paçoca
O povo da região gosta demais de uma iguaria que hoje pouco se ouve falar dela nos grandes centros urbanos: a farofa de içá. São formigas do tipo içá, e leva óleo, sal e farinha de mandioca no preparo. Importante: antes da fritura, as asas, as pernas, a cabeça e o ferrão são retirados, permanecendo só a bundinha do içá. Fica crocante. “Em novembro, quando Tupã se enfurece e vêm as trovoadas, as panelas de içá começam a estourar, dando início a uma grande tradição do povo do Vale do Paraíba, que é a caça às içás”, narra Ocílio. E novembro é o mês em que o restaurante promove o Festival da Içá, iguaria alimentar dos indígenas que habitaram o vale.
O livro mais conhecido de Ocílio, que é titular da cadeira 17 da Academia Brasileira de Gastronomia, leva o título de São Paulo – Caminhos da colonização: viagem de tropeiros entre serras. Nele, o cozinheiro historiador mostra que grande parte das famílias do Vale do Paraíba é da árvore dos tropeiros. A trilha do ouro trouxe viajantes de Minas Gerais e muitos se radicaram por lá. Mais tarde, com a decadência da mineração, foi a vez de o “ouro verde”, o café, expandir-se pelo Vale do Paraíba e por Minas Gerais. O ciclo do café também entrou em inexorável declínio.

Escritor e sociólogo, Ocílio Ferraz se esmera no preparo de quitutes caboclos como a paçoca e o franguinho caipira

Paçoca de carne-seca
Serve: 5 pessoas | Tempo de preparo: cerca de 1 hora | Dificuldade: média Ingredientes
400 g de carne-seca picada
1 xícara e meia de cebola picada
3 dentes de alho
2 tomates
1 xícara de farinha de milho ou de mandioca
½ xícara de pimentões
2 colheres de óleo de milho ou de soja
sal e salsinha a gosto
água
Como fazer
Coloque a carne-seca de molho num recipiente com água fria, trocando-a a cada quatro horas, por três vezes, para retirar o excesso de sal. Depois, numa panela, cozinhe a carne na água (o suficiente até cobri-la em fogo médio) por dez minutos, ou até ferver. Desfie ainda quente. Enquanto isso, refogue a cebola, o sal e o tomate no óleo e acrescente o pimentão. Junte a carne desfiada. Coloque a salsinha e transfira a mistura para um pilão e soque com a farinha até obter a farofa.

Retratos da história do vale: o velho alforje, a ferradura gasta que ficou no vilarejo e a caveira do boi
MAIS INFORMAÇÕES: Restaurante O Tropeiro, tel. (12) 3106-1103, www.restaurantedoocilio.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário