John Deere

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A força do campo

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O filho da terra

O professor Wilson Schmidt retornou a Santa Rosa de Lima, SC, para fazer do município uma referência em agricultura orgânica e lugar onde os jovens podem ser bem-sucedidos no campo



Cristiane Fontinha
Wilson Schmidt fundou a Agreco, associação que abriu negócios e perspectivas para agricultores catarinenses
Gemüse é o nome de um prato alemão feito com batata amassada, couve e carne defumada que os agricultores do interior de Santa Catarina comem nos almoços de domingo. Durante muito tempo, Wilson Schmidt sentiu falta desse gosto e de tudo que ele representava – pais e oito irmãos ao redor da mesa saboreando essa espécie de purê reforçado no sítio em Santa Rosa de Lima, município situado no entorno da Serra Geral (a 120 quilômetros de Florianópolis) e banhado pelos principais rios do estado. Wilson deixou a terra natal aos 11 anos de idade para cursar o seminário em São Paulo. Seus pais, dona Ida e seu Florentino, queriam que ele estudasse e ganhasse o mundo em vez de passar a vida cuidando da lavoura de fumo, cultura preponderante nas pequenas propriedades da região, responsável por 30% da produção nacional.

Formado em filosofia, desistiu do sacerdócio e partiu para a carreira de professor no norte do país. Quando retornou ao Sul, concluiu o doutorado e depois tornou-se diretor do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “A mãe não pode se queixar que não estudei”, brinca. Mas a vontade de voltar para seu lugar de nascimento nunca se desfez. Ele mantinha a convicção de que algum dia iria retribuir a sua cidade as chances que teve na vida. A promessa começou a ser cumprida há 15 anos, prazo suficiente para que ele retirasse Santa Rosa de Lima das estatísticas do êxodo rural. O município é um dos poucos lugares a registrar crescimento populacional no estado, com 2 mil habitantes (eram 1.700 no passado). Todas as sextas-feiras, Wilson Schmidt deixa a universidade e enfrenta os buracos da estrada de terra que o leva a sua cidade. Já deu carona para muita gente, estudantes de agronomia e educação, professores daqui e de fora, interessados em ver o projeto que transformou o município na capital da agroecologia e sede da Ecocert, certificadora francesa de alimentos orgânicos. A mudança surgiu a partir da fundação da Associação dos Agricultores Ecológicos das Encostas da Serra Geral (Agreco), que abrange oito municípios vizinhos. Ela permitiu que os agricultores abandonassem a fumicultura e partissem para uma produção escoada para todo o Brasil, no caso de méis, geleias, conservas e molhos de tomate. As 300 famílias associadas dão conta de uma produção de 750 toneladas de alimentos por mês, compostos de itens processados, hortaliças variadas, frutas, frangos e ovos vendidos em Florianópolis por meio de cestas. “Fazemos entregas três vezes por semana”, informa Egidio Locks, responsável pelo comércio na capital.


Cristiane Fontinha
Santa Rosa de Lima não faz mais parte das estatíticas de êxodo rural
Egidio é amigo de infância de Wilson Schmidt. Partiu dele o apoio integral aos planos do professor de implantar naquela região da serra um polo de cultivo orgânico. “Planta que eu compro tudo”, propôs. Na época, o comerciante era dono de uma rede de supermercados e passou a vender as colheitas dos produtores. Um negócio assim organizado, de ponta a ponta, era a chance que a família de Adilson Maia Lunardi precisava para se manter no campo. O sítio de cinco hectares, em Gravatal, tornou-se inviável com os plantios de fumo destruídos pelas contínuas chuvas de granizo, e o mel extraído não podia ser vendido por falta de registro. “Foi a salvação”, relembra. Como eles lidavam com a criação de abelhas, não foi difícil encontrar a vocação para a nova fase da propriedade. A família se associou a mais cinco produtores e eles se dedicam à apicultura migratória com 600 caixas espalhadas pela serra – que rendem 18 toneladas de mel silvestre e de eucalipto.

As mudanças possibilitaram que o agricultor, de 31 anos, se formasse em administração de empresas e imprimisse um caráter de negócio ao sítio. Ele representa a nova geração de produtores, que lota um ônibus durante a semana para estudar à noite nas universidades da região. Na pequena Santa Rosa, eles têm internet gratuita para se conectar com o mundo. Feijão, apelido do xará de Wilson Schmidt, vê na prática as teorias de desenvolvimento rural sobre as quais discorre nas aulas da UFSC, onde também é professor. Ele desenvolve um curso de extensão local com os alunos da agronomia. E não se surpreende quando recebe visitas internacionais que se impressionam com a quantidade de jovens no campo. “Aqui se faz oposição à tendência da saída da juventude do meio rural em todo o mundo”, analisa.


Cristiane Fontinha
As geleias são um dos 50 itens da Agreco


Porém, o ano de 2005 marcaria o mais duro dos desafios que a Agreco poderia enfrentar. Os supermercados de Egidio Locks foram à falência quando entraram em concorrência com os gigantes do setor. A situação só piorou com o calote no pagamento dado por uma grande rede. A incredulidade se instalou entre os produtores com dívidas acumuladas, lavouras em franca produção e clientes extintos. “Mas Wilson Schmidt é um otimista. Tem o dom de transformar dificuldades em oportunidades, pois só olha para frente”, declara o amigo Feijão. A saída da crise se deu com a negociação do recebimento de parte da dívida e a abertura de novos mercados. Surgiram as agroindústrias, que hoje somam 22 unidades, criadas para vender alimentos processados. Os produtos ganharam durabilidade e visibilidade ao serem comercializados em todo o país. Em 2009, uma amostra deles foi exposta na Sana, uma importante feira de alimentos que acontece todos os anos na Itália.

Wilson Schmidt sabe que seu projeto deu certo porque pode contar com bons parceiros, como Adilson e Feijão. O professor só não aceita que classifiquem o trabalho que lidera como uma ajuda aos habitantes de Santa Rosa de Lima. Para ele, o programa ali implantado é um reencontro com seus vínculos com a terra. E o Rio do Meio, comunidade onde está situada a propriedade da família, é seu futuro. É ali que pretende construir uma casa para viver com o filho Vinícius e ficar mais perto da mãe.

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